Nos meus idos tempos de jornalista desportivo, era frequente irritar-me com aquilo que alguns camaradas de profissão escreviam nos jogos de futebol. Antes de ir para as bancadas escrever crónicas de jogos, pensava que os olhos dos escribas eram os meus e, com isso, estava presente nos estádios em jogos que só via pelo papel de jornal. Depois, como jornalista, embarquei no discurso que os "gajos" são uma cambada de "crómos" (sim, com acento, é uma gralha propostiada) que não percebem nada disto.
Agora, mais maduro (sem estar podre), vejo as crónicas como exercícios de masturbação adivinhatória. Escrever textos de um jogo é como descrever uma rua. Todas as jogadas são casas já existentes e poucos são os momentos de novidade efectiva, excepto a ordem da sua disposição. Como a notícia (aquilo que é novo) se esgota no resultado e nos marcadores, os jornalistas têm de a esticar até ocupar a mancha de jornal indicada pelos editores. Para isso, temperam o texto com banalidades, enfeitam com lugares-comuns ou recheiam com gerúndios e adjectivos. Depois levam ao forno com uma fotografia de plano apertado que o foto-jornalista altera com o photoshop apenas para lá colocar a bola (que estava no outro lado do campo) e o bolo texto está feito. E só não untam a forma com declarações a metro (terminando três parágrafos entre aspas com a expressão: , disse) porque não é costume os jogadores dizerem mais do que "Vai à bola, caralho" ou "parte-lhe a perna, merda" o que, convenhamos, não é muito curial num jornal (excepto se for o Sexy Club ou o Sexus).
Em suma, estribados na sua própria irresponsabilidade e incontinência léxica, os jornalistas desportivos são os Fernões Lopes dos nossos tempos. Como já não há guerras nem cercos de Lisboa, restam os jornaleiros dos desportivos que assistem a jogos diferentes das restantes almas que ali estão. E, em caso de dúvida, combinam os minutos dos golos, as faltas dúbias e o melhor jogador em campo - algumas vezes a pedido de empresários que prometem "cachas" e pagam bicas em estabelecimentos com pauzinho de canela e chocolatinho. Aqui não há subornos ou corrupção, os jornalistas desportivos vendem as notas dos jogadores em cada texto num leilão de bolinhas de chocolate preto. E quem, pelo meio, prometer uma "novidade exclusiva" para amanhã (ou daqui a uma semana ou daqui a dez anos) ganha a disputa renhida.
Quando comecei no jornalismo desportivo pensei que ia mudar o mundo. O meu primeiro texto foi glorioso, recheado de factos indubitáveis como "aos 5 minutos, Chiquinho Conde finta sobre a esquerda Fernando Mendes e tenta o cruzamento com um pontapé da parte interna do pé que, no entanto, lhe saiu mal e foi parar à bancada, às mãos de um adepto vestido de verde que, diligente, a escondeu dos olhares dos polícias". O meu primeiro jogo foi fantástico, eu tinha provado a teoria que é possível escrever de forma factual sem recorrer a recursos estilísticos idiotas apenas para encher páginas. É claro que os seis golos ajudaram a compor um texto factualmente interessante.
No meu segundo jogo, fui destacado para um jogo particular de futebol feminino entre a França e a Polónia e teria de escrever três mil caracteres. Aí quebrei como Pedro perante Cristo. O jogo ficou zero-zero e não registei nenhum remate que chegasse às mãos das guarda-redes. A somar a isso, as jogadoras tinham mais testosterona que o Petit e barba maior do que o Figo (quando não está barbeado, ó espertos).
Nesse cenário, fiz a única coisa digna que um jornalista como eu poderia fazer. Virei-me para o vizinho do lado, um guru do futebolês que seguia já satisfeito no seu texto em velocidade cruzeiro, e pedi-lhe: "Posso ler?"
8 Comments:
At 12:04 da tarde, Anónimo said…
Eu já disse aqui e mantenho: estas crónicas deliciosas de ElCablogue precisam de ir ao prelo. Quanto antes, melhro. Uma revelação, chiça! Uma revelação!
At 12:13 da tarde, ElCablogue said…
Mas vocês não fazem mais nada do que estar na net?
At 12:26 da tarde, Tiberius said…
vejo as crónicas como exercícios de masturbação adivinhatória.
Apoiado, Cablogue. ´
Mas vamos pôr uns títulos a bold nos teus exercícios de masturbação adivinhatória. E depois do exercício, limpas o blog com um paninho seco.
Ernesto: pára lá de te armar em catedrático de letras e põe mas é postas no blog, sff.
At 12:39 da tarde, Anónimo said…
"Nos meus idos tempos de jornalista desportivo, era frequente irritar-me com aquilo que alguns camaradas de profissão escreviam nos jogos de futebol."
Eu também me irrito quando escrevem mal da Briosa. E estão sempre a escrever mal da Briosa, esses safardanas dos jornalistas. Seguissem eles o seguinte princípio e o mundo seria mais bonito:
"mesmo quando a Briosa joga aparentemente mal, na verdade está a jogar bem".
Os meus parabéns ao ElCablogue pela estupenda crónica.
Viva a basófia, viva a BRIOSA!
At 1:25 da tarde, Anónimo said…
Abaixo do nível a que nos habituou. Metáforas menos felizes, parênteses a mais. Ainda assim, brilhante. Cablongue mau é melhor que Zizou e o resto da maralha.
At 4:05 da tarde, Anónimo said…
zizou é brilhante, genial, muito melhor que cablongue. esse prato de coelho é uma besta!
At 5:54 da tarde, Anónimo said…
Eu curto é o Vostradeis. Um polivalente. Parece que, além das postas brilhantes que debita, o design do site também é dele. Esse rui cunha e o tal do prato de coelho - acho que o primeiro é pseudónimo - são dois filhotes de anticristo!
At 6:31 da tarde, Tiberius said…
Chave de leitura destes comentários:
Professor de literatura=Zizou
El Cablogue=DJ Carcaça
Tiberius=Tiberius
Nelinho Briosa=Ernesto
Prato de Coelho=El Cablogue
Rui Cunha=Adolf Hitler
Rodrigo de Matos=Eduardo Prado Coelho
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